domingo, 1 de agosto de 2010

Fugiu, mas vê se volta

Se amar é mudar a alma de casa, a minha perdeu o endereço. Se a virem perambulando por alguma esquina, peça que volte. Os dias andam meio tristes sem ela para me fazer companhia.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados,
amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Carlos Drummond de Andrade

As coisas que começam no tempo

- Onde tu andava?
- Por aí.
- Mas é tão tarde...
- Também acho.
- Então porque não veio para casa dormir cedo?
- Porque é tarde.
- ?
- Tarde para nós, entenda.
- Como assim? Tá dizendo que vamos terminar?
- É...
- Covarde.
- Peraí! Está sendo duro para mim...
- Duro? Tu és um molengão, isso sim!
- Agora quem não entende sou eu.
- Nunca encarou nada de frente. E vem falar em dureza, que está sendo difícil acabar.
- Pensei muito. Não queria te magoar...
- O que me magoa é essa tua falta de vontade para encarar as coisas de frente.
- Deveria ter vindo logo aqui e brigado, então?
- Não. Deveria ter sido homem para resolver o problema.

Virou as costas e foi embora, ela. Faz 17 anos, três meses e sete dias. E ontem ele a viu de novo.

627772

Um dia entenderemos o amor como algo constante. Um tipo de coisa que não nasce de casas bonitas ou dos apartamentos mais altos, acredito. Nunca nem ouvi falar que o amor gostasse desse tipo de construção, sei lá. Ele deve mesmo ser feito de sentimentos que não se petrificam na ausência, ou coisa parecida, acho.

Um dia desses, desejo reconhecer o amor sem questionamentos. Quero implantar um coração que há de separar as paixões dos amores duradouros, mais profundos. E nesse dia, nos veremos de novo.

Até lá, presumo que amaremos à distância coisas que já fomos.

Ele e ela

Não importa muito para onde vai, desde que sempre ande - ele acha.

A vida te sopra como o vento, ela pensa. E tem medo que te cegue a beleza do caminho

Uso óculos, ele diz.

Num beijo, concordam.

Tudo o que vai

Viu pela primeira vez a luz das laternas do carro dela acenderem como despedida. Não abanou, nem ela. Pensou no que tinha, no que queria, no que precisava. E nela que ia.

Viu a vida atravessada na garganta, uma dor que era ausência.

- Se é ausência, não é nada - disse.

E nada seria, então, até que de novo se encontrasse tentando crescer. "Queria tanto que tivesse dado certo", pensou, mas ele mesmo só dava certo quando puxado pelo braço.

Agora, estava sozinho e cuidando de si.

Fazendo por si.

Até que o carro dela engatou marcha ré.

terça-feira, 31 de março de 2009

627772

Porque ainda penso em ti? Ah, incapacidade minha de compreender o que já foi... As horas passaram, os dias passaram. Os momentos já não encontram por onde voltar. Por que ainda penso em ti, então?
Fujo.
Mas não consigo ir longe... na verdade, nem saio de perto. Talvez seja o tempo livre ou vinho que bebi. Hoje, nem ele me liberta dos pensamentos a teu respeito. Se deito na cama, imagino teu sono.
É como se sentisse, de novo, a mesma respiração que tantas vezes embaçou meus óculos.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Sobre quem escreve

Só o que fica é o caráter desses meus caracteres.

Só por hoje

Hoje, queria o talento que não tive para escrever palavras que te falo e traduzo em emoção. Um margarida, uma gérbera, quem sabe uma rosa em botão que combinasse com a tua blusa? Queria a capacidade de transformar angústias em beijos intensos ou apaixonados, o conforto de esticar o braço e sentir bater o teu coração.

Só hoje, queria escrever com a certeza de usar as frases certas, maduras. Escrever como se fosse uma oração.

Esta noite, queria sentir o cheiro da tua pele sob o lençol laranja, teus cabelos espalhados sobre o travesseiro... Se fechar o olhos, ainda lembro dos joelhos dobrados para o lado de fora da cama, o sono que vinha com um abraço em concha. A brancura dessas curvas e as marcas que conheço, só por esta noite, caberiam na minha mão. Não, não chegaria tarde ou com esses habituais ares de boemia pura. Pelo menos esta noite, não.

Só por hoje, queria trocar o almoço por aquela companhia nossa, mal combinada e furtiva. Na cama, no sofá ou em extravios pelo chão. Rir do teu sorriso, matar a sede da tua boca e sofrer do calor incongruente daqueles dias de novembro. Abriria uma garrafa de qualquer coisa só para te ver com sono nos primeiros minutos da tarde ou reclamando uma tonturinha inocente... Iria para o trabalho cansado, mas feliz, safo - um perfeito menino apaixonado.

Comeríamos nada, agora - ou só o que tivesse nas panelas sobre o fogão. Teus talentos culinários, hoje, não são necessários. Nem a tua preocupação com as coisas da casa ou a roupa lavada teriam posto de prioridade. Hoje, queria que fosse como era no princípio: sem tempo algum para as importâncias do mundo. Só por hoje, sobreviveríamos de intensidades, preencheríamos nosso tempo com conversas sem propósito e nos entenderíamos num olhar ou aperto de mão.

Não, nada de apertos de mão... Queria era aquela paixão que faz entender o incompreendido, enfrentar o inóspito, arriscar contra o desconhecido... (ingrata, ela, que nos abandona ainda insanos - mas o que fazer senão aceitar o que o destino nos entrega e, assim, aprender a revelar da tua alma qual é o medo que te faz fugir? Essa insistência tua em sempre ir quando deveria ficar. Ficar e crescer. Ficar e amar. E até diante da solidão e os olhos marejados, amar.)

Queria, só por hoje, o teu andar de onça pelo carpete, as sandálias perto da porta - mordidas ou não. "Já lavou as mãos?", tu dirias. Tô indo, eu respondo. Acharias graça de novo se perguntasse como é o nome daquilo em que se pendura roupas e ouvisse "camisa" como resposta? Tudo bem: rir do cotidiano é mesmo coisa para poucos.

Na verdade, sinto falta do que era nosso nisso tudo. Especialmente do que ficou pendurado por um sonho ou só na intenção. Essas coisas que não se realizam frustram mais do que as que deram errado. Porque, às vezes, a gente ainda pensa que poderia ter tentado e que seria diferente... mas no fundo nem ligo: esses são só pensamentos de hoje que o vento vai aplacar amanhã como se fossem meras palavras ou pequenas mudas sem proteção.

Bem, se desse tempo, ainda queria aprender a dançar contigo. Mas acho que isso também é coisa só de hoje. Amanhã já não sei não.

quarta-feira, 18 de março de 2009

(...)

- Te esperei ontem... tu nem ligou.
- Desculpe, estava numa janta. Bebi demais, voltei tarde. E não quis te acordar.
- Mas fiquei esperando.
- ...
- Queria te ver.
- Eu também.
- ...
- Hein!
- Desculpe, nem pense em dizer isso. Não sou teu namorado.

Te vira

- Destesto pessoas que fogem de si mesmas.
- Mas eu não deixei de ser quem eu era. Ainda cozinho, arrumo a casa. Meu trabalho está sendo importante.
- E a afetividade? Tu acha certo extraviar o que sentes um pouquinho em cada canto só por prazeres momentâneos?
- Estou me divertindo.
- Tu não estás pensando em nada.
- Algum problema com isso?
- Desculpe. Essa é a tua vida. Te vira.

terça-feira, 17 de março de 2009

O começo

Hoje, queria o talento que não tive para escrever palavras que te falem ao coração. Transformar incompreensões em abraços, lágrimas em beijos furtivos e apaixonados. Só hoje, queria escrever como se fosse uma oração.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Sobre amar

Amo-te tanto, meu amor, não cante
O humano coração com mais verdade.
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te enfim, de um calmo amor prestante
Amo-te além, presente na saudade.
Amo-te enfim, na liberdade e a cada instante.

(um fragmento de Vinícius de Moraes)

Levei

"Se um dia olhar em volta, verá que não há marcas que deixei. Nada que lembre os nossos dias, a felicidade que tivemos. Nem os sorrisos sem compromisso ficaram por aí. Nada de nosso. Sem riscos nas paredes ou pegadas pelo chão.

Não deixei minhas digitais pelos cantos da casa nem uma roupa caída no tapete do quarto. Não ficaram perdidas embaixo dos móveis as coisas sem uso e nem por cima deles as de serventia urgente. Tudo que tinha, levei.

Ou então restaram esses sentimentos incompreendidos, quem sabe, ou um bocado de consideração? Uma amizade madura, talvez até um olhar que belisca o desejo mais do que o movimento das tuas pernas. Não sei, sobre isso não sei.

Talvez tenha deixado por aí algum beijo que não foi roubado ou um carinho contido. Guarde-o até a minha volta ou jogue fora como se fosse coisa antiga. Um afago não dado é como o tempo que se foi ou a palavra dita: não se recupera, não tem jeito.

Pensando melhor, talvez ainda encontre contigo palavras que eu não disse, emoções imperfeitas que só um de nós sentiu. Ausências. De repente, até o silêncio ou certa escuridão. Desculpe, tentei levar comigo tudo o que coube nas mãos.

Devo dizer que não trouxe nada senão o tempo, minhas lembranças pessoais e certa saudade que se dissipa no vento. Confesso: não pude deixar contigo a disposição para um recomeço. Essa vontade será só minha, por enquanto.

Ou de outros, daqui por diante.

Assim, carrego comigo um punhado de existências e valorozas esperanças. Creio em mim, em dias bons, fases boas.

Do passado, só levo o que aprendi com meus próprios erros. Não tenho a capacidade de aprender com os teus e jamais tive a intenção de que, sendo meus, te ensinassem alguma coisa. Está aí um dos problemas da vida: ela é instranferível.

Não deixo endereço, talvez um número de telefone. Sabe onde me encontrar - mas torço que essa certeza te dê conforto e não te anime. Não sou nada sem o que vivi mas não me alimento do passado.

Disponho memórias ao lado da cama ou nos armários de um porão imaginário até que empoeirem - e percam importância como pequenos brinquedos velhos que são. Se as coisas foram boas e terminaram é porque novas coisas boas irão surgir. Ou pelo menos terão valido a pena por si mesmas.

Aviso que também levei daí algo que me fez renascido - mas não digo de certeza se isso era mesmo meu ou tomei das tuas coisas. O perfume bom que ficou nas roupas já não lembro, mas o sujeito dentro delas é outro. Novo sob a mesma pele, disposto. Talvez seja mais fácil reparar nos sapatos, mas as atitudes impressionam. E, no final, contam mais para modificar o que somos. Ou o que éramos.

Enfim, esqueci de deixar por cima da mesa ou sobre os armários da cozinha um punhado de elogios que não fiz à atenção que me deste. Agradeço agora, antes de ir, que nunca é tarde para dizer essas coisas de sinceridade: obrigado.

Desculpe, de novo, por ter levado tanta coisa ou misturado o que era teu e o meu. Lembre-se de que pelo menos não deixei marcas, cicatrizes ou pegadas pelo chão."