segunda-feira, 16 de março de 2009

Levei

"Se um dia olhar em volta, verá que não há marcas que deixei. Nada que lembre os nossos dias, a felicidade que tivemos. Nem os sorrisos sem compromisso ficaram por aí. Nada de nosso. Sem riscos nas paredes ou pegadas pelo chão.

Não deixei minhas digitais pelos cantos da casa nem uma roupa caída no tapete do quarto. Não ficaram perdidas embaixo dos móveis as coisas sem uso e nem por cima deles as de serventia urgente. Tudo que tinha, levei.

Ou então restaram esses sentimentos incompreendidos, quem sabe, ou um bocado de consideração? Uma amizade madura, talvez até um olhar que belisca o desejo mais do que o movimento das tuas pernas. Não sei, sobre isso não sei.

Talvez tenha deixado por aí algum beijo que não foi roubado ou um carinho contido. Guarde-o até a minha volta ou jogue fora como se fosse coisa antiga. Um afago não dado é como o tempo que se foi ou a palavra dita: não se recupera, não tem jeito.

Pensando melhor, talvez ainda encontre contigo palavras que eu não disse, emoções imperfeitas que só um de nós sentiu. Ausências. De repente, até o silêncio ou certa escuridão. Desculpe, tentei levar comigo tudo o que coube nas mãos.

Devo dizer que não trouxe nada senão o tempo, minhas lembranças pessoais e certa saudade que se dissipa no vento. Confesso: não pude deixar contigo a disposição para um recomeço. Essa vontade será só minha, por enquanto.

Ou de outros, daqui por diante.

Assim, carrego comigo um punhado de existências e valorozas esperanças. Creio em mim, em dias bons, fases boas.

Do passado, só levo o que aprendi com meus próprios erros. Não tenho a capacidade de aprender com os teus e jamais tive a intenção de que, sendo meus, te ensinassem alguma coisa. Está aí um dos problemas da vida: ela é instranferível.

Não deixo endereço, talvez um número de telefone. Sabe onde me encontrar - mas torço que essa certeza te dê conforto e não te anime. Não sou nada sem o que vivi mas não me alimento do passado.

Disponho memórias ao lado da cama ou nos armários de um porão imaginário até que empoeirem - e percam importância como pequenos brinquedos velhos que são. Se as coisas foram boas e terminaram é porque novas coisas boas irão surgir. Ou pelo menos terão valido a pena por si mesmas.

Aviso que também levei daí algo que me fez renascido - mas não digo de certeza se isso era mesmo meu ou tomei das tuas coisas. O perfume bom que ficou nas roupas já não lembro, mas o sujeito dentro delas é outro. Novo sob a mesma pele, disposto. Talvez seja mais fácil reparar nos sapatos, mas as atitudes impressionam. E, no final, contam mais para modificar o que somos. Ou o que éramos.

Enfim, esqueci de deixar por cima da mesa ou sobre os armários da cozinha um punhado de elogios que não fiz à atenção que me deste. Agradeço agora, antes de ir, que nunca é tarde para dizer essas coisas de sinceridade: obrigado.

Desculpe, de novo, por ter levado tanta coisa ou misturado o que era teu e o meu. Lembre-se de que pelo menos não deixei marcas, cicatrizes ou pegadas pelo chão."

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