sexta-feira, 20 de março de 2009

Só por hoje

Hoje, queria o talento que não tive para escrever palavras que te falo e traduzo em emoção. Um margarida, uma gérbera, quem sabe uma rosa em botão que combinasse com a tua blusa? Queria a capacidade de transformar angústias em beijos intensos ou apaixonados, o conforto de esticar o braço e sentir bater o teu coração.

Só hoje, queria escrever com a certeza de usar as frases certas, maduras. Escrever como se fosse uma oração.

Esta noite, queria sentir o cheiro da tua pele sob o lençol laranja, teus cabelos espalhados sobre o travesseiro... Se fechar o olhos, ainda lembro dos joelhos dobrados para o lado de fora da cama, o sono que vinha com um abraço em concha. A brancura dessas curvas e as marcas que conheço, só por esta noite, caberiam na minha mão. Não, não chegaria tarde ou com esses habituais ares de boemia pura. Pelo menos esta noite, não.

Só por hoje, queria trocar o almoço por aquela companhia nossa, mal combinada e furtiva. Na cama, no sofá ou em extravios pelo chão. Rir do teu sorriso, matar a sede da tua boca e sofrer do calor incongruente daqueles dias de novembro. Abriria uma garrafa de qualquer coisa só para te ver com sono nos primeiros minutos da tarde ou reclamando uma tonturinha inocente... Iria para o trabalho cansado, mas feliz, safo - um perfeito menino apaixonado.

Comeríamos nada, agora - ou só o que tivesse nas panelas sobre o fogão. Teus talentos culinários, hoje, não são necessários. Nem a tua preocupação com as coisas da casa ou a roupa lavada teriam posto de prioridade. Hoje, queria que fosse como era no princípio: sem tempo algum para as importâncias do mundo. Só por hoje, sobreviveríamos de intensidades, preencheríamos nosso tempo com conversas sem propósito e nos entenderíamos num olhar ou aperto de mão.

Não, nada de apertos de mão... Queria era aquela paixão que faz entender o incompreendido, enfrentar o inóspito, arriscar contra o desconhecido... (ingrata, ela, que nos abandona ainda insanos - mas o que fazer senão aceitar o que o destino nos entrega e, assim, aprender a revelar da tua alma qual é o medo que te faz fugir? Essa insistência tua em sempre ir quando deveria ficar. Ficar e crescer. Ficar e amar. E até diante da solidão e os olhos marejados, amar.)

Queria, só por hoje, o teu andar de onça pelo carpete, as sandálias perto da porta - mordidas ou não. "Já lavou as mãos?", tu dirias. Tô indo, eu respondo. Acharias graça de novo se perguntasse como é o nome daquilo em que se pendura roupas e ouvisse "camisa" como resposta? Tudo bem: rir do cotidiano é mesmo coisa para poucos.

Na verdade, sinto falta do que era nosso nisso tudo. Especialmente do que ficou pendurado por um sonho ou só na intenção. Essas coisas que não se realizam frustram mais do que as que deram errado. Porque, às vezes, a gente ainda pensa que poderia ter tentado e que seria diferente... mas no fundo nem ligo: esses são só pensamentos de hoje que o vento vai aplacar amanhã como se fossem meras palavras ou pequenas mudas sem proteção.

Bem, se desse tempo, ainda queria aprender a dançar contigo. Mas acho que isso também é coisa só de hoje. Amanhã já não sei não.

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