sexta-feira, 30 de maio de 2008

Meia Crônica

Acendeu a luz e, de repente, o dia artificial invadira a noite de seu quarto de solteiro. Era a insônia que o visitava de novo, sem licença ou permissão. Os olhos purgavam a inconveniência das horas enquanto a mente mantinha-se em dez mil giros por segundo. Estava acostumado.
Não lavou o rosto, mas viu-se diante do espelho como um completo e inútil desconhecido. Passara horas em volta de um pensamento escorregadio e insistente sobre uma mulher de boca suculenta e espessa, encarnada ou feita de sangue, que roubara de sua vida o sossêgo adormecedor ao contar confissões condecendentes aos sentidos do seu coração perturbado.

Se disse palavra, o que ganhou o vento foi um sussurro. Belos e tristes discursos que soam até hoje como um lamento, recordou.

- Quero um beijo, não te escondo. Mas faz tanto tempo... Pensei que fosse impossível, que não combinávamos, que éramos tão comuns que só mesmo a amizade floresceria na pantanosa e infértil distância que nos afasta... - disse para ninguém em particular.

O que sentia, na verdade?

Desmanchou um a um os castelos de tranqüilidade e segurança de hábito para admitir, pela primeira vez em dez anos, que a paixão voltara a alojar-se em si. Relutou no começo, também é verdade, mas o que fora não tinha volta. E no meio dos entulhos em que se transformaram suas lembranças, sentiu um certo prazer enviezado em amar alguém na distância dos anos.

Altas horas, seu amor exigia a concretude do corpo - o que tacitamente lhe fora proibido. E a crueldade da inexistência se mostrou a ele com o brilho relevante dos amores que acontecem nos planos mais altos da consciência, ou no espírito e não nas ruas, não soube dizer de certeza. Tinha o desejo de viver aquilo de novo, de sentir-se vivo e jovem de novo. Não, não pediria a ela que se entregasse, nem que ao menos o compreendesse. Queria somente o direito consentido de amá-la com a intensidade dos justos e a alma petrificada como um vaso de flor.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Esquecer para lembrar

- Olha... quem sabe a gente começa com a amizade de novo?
- Como assim?
- Pensa que não deu certo, erramos. Vamos do zero.
- Quer dizer que não mereço, né?
- É. Já que tu falaste...
- Sei. E quem é que vai?
- Quem vai o quê?
- Pagar os favores sexuais que tu me deves?
- Não acredito que estás falando isso?
- Brincadeira, pô! Não posso brincar com uma amiga?
- Tu é podre e ordinário mas eu gosto de ti.
- Que bom, porque eu também gosto de ti.
- Cérebro?
- Hum?
- Esquece essa da amizade?

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Manjericão

"Cheiroso e gostoso, o manjericão é originário da Índia, onde é uma planta sagrada e usada não na culinária, mas sim plantado nas portas das casas para espantar mal olhado. Seu nome quer dizer "planta do rei" e foi introduzido na Europa na antigüidade onde era o símbolo do amor na Itália..."

-O escalda pés de Manjericão é ótimo para quem está agressivo, com raiva e pronto para explodir. Tira a raiva na hora.

- O chá de manjericão ajuda pessoas muito contidas a liberarem o amor.

- Pode também ser colocado em vasos para evitar a entrada de energias negativas.- As compressas de manjericão (uma pasta pilada com as folhas) ajuda as mães que ficam com os seios doloridas ou com rachaduras depois da amamentação.

(Escancaradamente roubado do profile de alguém que enviava mensagens).

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Sem saída

Beija ele, beija.

Te quero só com os olhos,
E as mãos em chamas.
O corpo desenha os contornos da sala
Te procurando à distância.

- Beija ele, beija.

E me mata de horror.

domingo, 25 de maio de 2008

O cara

Ele só queria ser o cara. Ela, não.

Se conheceram numa noite fria e aqueceram uma conversa empolgante sob a proteção de um boteco mal-freqüentado em uma rua de pouca reputação. Beberam vinho barato até que os dentes dela ficaram roxos. Ele só bebeu até que a cabeça girasse completamente.

- Tá a fim continuármos lá em casa?

Ele disse sim.

Foram para o apartamento dela. Arrancaram a roupa sem sossêgo. O primeiro beijo foi ácido. O segundo, salgado. No terceiro, ouviram só os gemidos. Longos e quentes gemidos.

- Tá chorando?

- Não sou bom nesse negócio de amor.

- Hei! Isso foi só um encontro, cara. Desencana dessa de amor, viu?

- Mas...

- Desculpa, mas não quero um namorado.

- ?

- Tem como tu ir agora?

Ele só queria o cara e ela não.

Cedo ou tarde

- Mais cedo ou mais tarde, a pessoa sempre, SEMPRE, vai te decepcionar. Às vezes nem é culpa dela, mas sua. A gente fantasia uma coisa que não era real. Sempre vai acontecer algo.
- Nossa... até o mais cachorro dos homens...
- Tu!
- ... é, pode ser eu. Até o mais cachorro - no caso, eu - é capaz de coisas boas.
- ?
- Na viagem, por exemplo. Não precisei mentir para conseguir o que eu queria.
- Então há luz no fim do túnel!
- Calma, é cedo para dizer isso. Na verdade, não me senti como gostaria.
- O quê? Tu querias ser um cachorro?
- Sempre menti. Quando não fiz isso, me senti mal por todas as vezes que enganei alguém.
- Há luz no fim do túnel.

O mais patético

- Não quero forçar nada, mas até agora só falamos de mim.
- ...
- E aí?
- Desculpa, falo pouco de mim.
- ...
- Tenho uma baita problema, defeito. Confio muito nas pessoas.
- E isso é ruim?
- Me machuco quando descubro que as pessoas não eram tão legais assim. E elas nunca são.
- Não acho...
- E o mais patético é que eu nunca aprendo.
- Sempre achei que o mais patético fosse eu.