segunda-feira, 21 de julho de 2008

Do outro lado do centro

- Tô descendo, então.
- Vou contigo, pode ser?
- Claro! Mas tô a pé.
- Não dá nada: meu tênis é novo.
Riram com desonoestidade - afinal, era uma piada sem graça.
Em seguida, engataram uma conversa como se nunca tivessem se visto. E, sem surpresas, encontraram as identidades. As afinidades já pareciam bem antigas quando um longo e quente beijo caiu entre eles.
- Quem sabe tu fica aqui? Tá frio, tua casa é longe, tu estás a pé... - enumerou ela.
- Não tem problema, não quero incomodar.
Não foi um não. Mas ela entendeu como um recuo. Teria feito algo errado?
- Na próxima, vou de carro só para te dar uma carona - prometeu ele tentando recuperar espaço.
- Daí eu vou contigo para onde tu quiser...
- Vai mesmo?
- Claro! Se tô prometendo...
- Então vem hoje.
- Pra onde?
- Ué, um lugar menos frio do que o meio dessa rua.
- Não sei... - disse ela, sorrindo um sorriso de condecendência.
Queria ir, pensou ela. E abraçada na cintura dele, foi.
- Então?
- Então tá.
Foi melhor para ele do que para ela. Ele achava cruel que fosse assim. Ela, decepcionante. Não disseram nada, não queriam dizer. E falar o quê também? Quando o silêncio ficou pesado, levantaram.
- Eu...
- Tudo bem.
- Amanhã...
- Claro. Nos vemos no bar.
- Espera. Eu te levo em casa, tá frio.
- Não precisa. Fica aí. Tô a fim de ir a pé mesmo.
E foi madrugada adentro levando um casaco emprestado e toda a amizade que ainda poderia restar entre eles para queimar em uma caminhada até o outro lado do centro da cidade.

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