sexta-feira, 6 de junho de 2008

Cheiros

De novo, no bar. Ele, Manjericão. Ela, Rosa. E só queria ser "o" cara. Ela não fazia questão.
Seus perfumes se misturaram no ar ou seria o cheiro da chapa quente? Curiosos, se viram refletidos uma no óculos do outro.
Daí de conheceram.
Daí atravessaram aquela noite fria sob a proteção de um boteco mal-freqüentado em uma rua de pouca reputação.
Daí beberam vinho barato até altas horas.
E já com os dentes roxos, perceberam que não era só uma conversa empolgante e os sorrisos quadrados de trago que os mantinha ali.
Ele não notou porque bebeu até que a cabeça girasse completamente.
- Não quero forçar nada, mas até agora só falamos de mim - ele disse.
- ...
- E aí?
- Desculpa, falo pouco de mim.
- ...
- Tenho uma baita problema, defeito. Confio muito nas pessoas.
- Ahã. E isso é ruim?
- Me machuco quando descubro que as elas não eram tão legais assim. E pessoas nunca são.
- Pô, não acho...
- E o mais patético é que eu nunca aprendo.
- Sempre achei que o mais patético fosse eu...
- Tá a fim continuármos lá em casa?
Ele disse sim, ela sorriu de novo. Mas ele achou que ela estivesse sorrindo desde sempre e nem percebeu quanto desviou o olhar para seguir alguma insignificância do chão.
Foram para o apartamento dela porque era mais perto. Arrancaram a roupa sem sossêgo.
O primeiro beijo foi ácido.
O segundo, salgado.
Não houve terceiro, então, ou nem reparam em nada disso. Só ouviram os ruídos de uma paixão atrevida e incontida, antiga e presente, mas que não bastava para ser amor. Seria? Não. Agora, eram longos e quentes gemidos. Potentes gemidos. Suados e, depois, gemidos de alívio.
- Tá chorando?
- Não sou bom nesse negócio de amor e me emociono, sabe?
- Hei! Nem fala muito nisso de amor, viu? Bate na madeira...
- Não entendi...
- Desculpa, cara, mas não quero um namorado. Foi legal tudo isso, essa noite, mas... não rola. Não dá.
- É que nós...
- Cara, não tem "nós", viu?
- ?
Silêncio absoluto ou seria o vento? A cena congelou na sala. Ele pensou ter ouvido o som do ar entrando pelas narinas dela e enchendo seus pulmões para ser expulso como um intruso indesejado no instante seguinte, repetidamente, mecanicamente, sistematicamente e inotadamente.
Exatamente como ele.
Ela não pensou em nada. Ou pensou, talvez. Estava ofegante, silenciada pelo prazer e alarmada pelas palavras. Qual era daquele cara, só porque usava um óculos charmoso e tinha aquele cheiro bom de planta na terra? Namoro, não. Nem pensar. Agiu certo, disse para si mesma e, assim, abriu um obstáculo intransponível até para o mais capaz dos homens.
- Tem como tu ir agora?
Manjericão, de novo, seria. E ela nunca mais a sua Rosa.

Um comentário:

Nígima disse...

estranho...tem um pouco de mim, de nós..e uma grande parte de ninguém...
seria isto a fadada liberdade poética??